Milton Nascimento retornou ao Cine-Theatro Central com muita força e energia

Publicado em 16 de novembro de 2017

Foto: Débora Matos

“Alertem todos os alarmas, que o homem que eu era voltou.” O trecho de O que foi feito de Vera, composta por Milton Nascimento e seus companheiros Márcio Borges e Fernando Brant, e gravada em 1980 com a amiga Elis Regina, apesar de não compor o repertório do show do último sábado, 11, no Cine-Theatro Central, representa muito bem a força com que Milton Nascimento volta aos palcos depois desses quase dois anos fora de cena.

O show começa com Milton nos bastidores, e sua banda tocando Travessia, até que, ainda sem que o público possa vê-lo, sua voz ecoa por todo o teatro. O público se agita e só se anima mais quando Bituca entra no palco e toda a plateia pode vê-lo, deixando nítida a saudade que o público de Juiz de Fora estava de ouvir a música de seu mais novo morador, Milton Nascimento.

A história da volta do músico aos palcos, depois de quase dois anos, foi contada por um de seus músicos que responsabilizou Augusto, filho de Milton, por sua volta. Desde seu afastamento dos palcos, Milton optou por morar em Juiz de Fora com seu filho, e aqui o cantor pode descansar e passar tempo com os amigos. Desde março de 2017, porém, quando Augusto o convenceu a realizar um único show em Belo Horizonte, toda a turnê Semente da Terra foi criada.

Juiz de Fora foi palco do último show do ano, nitidamente muito significativo para Milton, que afirmou durante a apresentação: “…Cidade que eu escolhi para viver e onde eu fiz grandes amigos; vocês são demais e muito obrigado pelo carinho. E é com muita alegria que hoje chegamos ao último show do ano dessa nova turnê, que não poderia ter lugar melhor para viver do que Juiz de Fora.”

A importância que Milton dá ao tocar em Juiz de Fora também foi observada quando o artista falou sobre o prazer de tocar na cidade onde tantos amigos queridos podiam estar nos bastidores e na plateia. Ao falar da estima que tem por seus amigos, citou o nome de uma série de companheiros que teve na música durante seus muitos anos de carreira. No final de sua fala, dedicou a música seguinte, Nos bailes da Vida, a todos os seus amigos.

Foto: Débora Matos

Guarani Kaiowoá

A força dessa turnê não é consequência apenas do reencontro de Milton com o palco ou da saudade que o público estava sentindo do cantor, mas também do repertório de cunho político e social de Semente da Terra, focado principalmente na questão indígena. Milton parou o show algumas vezes para falar da tribo Guarani Kaiowoá, sobre seu batizado, seu carinho pela tribo, as ameaças sofridas por eles e seu projeto para ajudá-los, o Vivart, em que doações e vendas de produtos se convertem em dinheiro para auxiliar a tribo.

Além disso, sua cantora de apoio, Bárbara Barcellos, apresentada por ele como a representante dos Guarani Kaiowá, apresenta durante o show um texto que resume a importância que Milton dá aos povos indígenas e a preservação do meio ambiente: A floresta está viva. Só vai morrer se os brancos insistirem em destruí-la. Se conseguirem, os rios vão desaparecer debaixo da terra, o chão vai se desfazer, as árvores vão murchar e as pedras vão rachar no calor. Então morreremos, um atrás do outro, tanto os brancos quanto nós. Todos os Xamãs vão acabar morrendo. Quando não houver mais nenhum deles vivo para sustentar o céu, ele vai desabar”. O alerta, tocante, atraiu para Bárbara a atenção de todo o público e da banda, criando um dos mais lindos momentos do show, que dizia muito sobre sua proposta enquanto espetáculo.

Foto: Débora Matos

Emoção em coro

Outro instante comovente foi quando Milton cantou Caçador de Mim, um dos maiores sucessos do cantor, e todo o teatro formou um coro que o acompanhou. A música, composição de Sérgio Magrão e Luiz Carlos Sá, marcou uma geração quando, em 1981, falava de forma tão delicada e poética sobre os conflitos internos e paradoxos pessoais muito comuns da juventude. Mas no último sábado, ela se tornou uma única voz que unia todas as diversas gerações que ocupavam as cadeiras do Cine-Theatro Central, numa clara quebra de barreiras proporcionada pela arte de Milton e seus companheiros.

A voz da plateia também se fez presente quando, na última música, todo o teatro se levantou para cantar alto e dançar ao som de Maria Maria.  As pessoas se emocionaram, se empolgaram, gritaram e até uma bandeira de Minas Gerais, estado do coração do músico, ao qual dedicou grande parte de sua carreira, foi agitada. Ao fim da música, as cortinas se fecharam, mas o público pediu mais, e então Milton retornou ao palco, arrancando lágrimas com A Lua Girou se emendando em Caxangá, que encerrou o show com a energia que Bituca propôs para o repertório de Semente da Terra.  

O reencontro de Milton com o público juiz-forano foi tão lindo quanto o esperado. A alegria do cantor por estar se apresentando na cidade que escolheu para morar era vista durante todo o espetáculo; e a empolgação da plateia ao assisti-lo, depois de anos distante, também. Os fãs do artista saíram encantados com o encontro e vão, com certeza, encher o teatro sempre que Milton se apresentar em sua nova casa.   

 

Débora Costa

 

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